Apesar dos esforços da Coalizão Empresarial para Facilitação de Comércio e Barreiras – CFB, da CNI, a 1ª Seção do STJ deliberou (por maioria de 5 votos a 4) que o serviço de capatazia integra a composição do valor aduaneiro, base de cálculo do Imposto de Importação (I.I.). O julgamento ocorreu em 11.03.2020 (relator Ministro Gurgel de Paiva) e o Acórdão foi publicado no dia 19.05.2020 (relator Ministro Francisco Falcão).
A CFB publicou estudo sobre o tema, realizou ações de mídia, despachou com ministros do STJ, demandou o ingresso da CNI como amicus curiae[1] e no leading case (caso líder) do STJ, mobilizou associações e federações da indústria para também ingressarem como amicus curiae. Não satisfeita com o veredito do julgamento, a CFB dará continuidade às ações para buscar uma solução que atenda aos anseios empresariais através de:
• Carta do Fórum de Competitividade das Exportações – FCE e CFB ao Ministério da Economia, contestando a decisão e demonstrando os impactos da medida para o comércio exterior;
• Avaliação de estratégias de atuação no judiciário, no executivo e no legislativo para seguir em defesa da retirada dos custos de capatazia da base de cálculo do I.I.
[1] Amicus curiae ou amigo da corte ou também amigo do tribunal (amici curiae, no plural) é uma expressão em Latim utilizada para designar uma instituição que tem por finalidade fornecer subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo-lhes melhor base para questões relevantes e de grande impacto.
(Benigno Núñez Novo, 18.03.2018, Direito Net: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/10419/Amicus-Curiae).
A íntegra do texto do Acórdão referente ao Recurso Especial nº 1.799.306 – RS (2019/0009507-7 – 19/05/2020) está disponível no link ao final do texto.
A título de melhor esclarecer o assunto, apresentamos a seguir texto elaborado pelos advogados João Amadeus Santos e João Gabriel Cordeiro, publicado em 27.03.2020, no site Portos e Navios (https://www.portosenavios.com.br/artigos/artigos-de-opiniao/stj-altera-a-jurisprudencia-para-incluir-os-custos-de-capatazia-na-base-de-calculo-do-imposto-de-importacao).
STJ altera a jurisprudência para incluir os custos de capatazia na base de cálculo do Imposto de Importação
Por João Amadeus Santos e João Gabriel Cordeiro
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) modificou o posicionamento, até então consolidado, julgando possível incluir o custo de serviços de capatazia (de carga, descarga e manuseio de mercadorias) no valor aduaneiro para fins de composição de base de cálculo do Imposto de Importação (II). Até então, o entendimento anterior, pacificado por ambas as turmas que compõem a 1ª Seção, 1ª e 2ª Turmas do tribunal, era favorável aos contribuintes, qual seja, pela não inclusão dos serviços de capatazia no valor aduaneiro.
Essa alteração na jurisprudência do STJ foi feita em regime de recursos repetitivos, o que vincula os demais tribunais do País ao entendimento agora fixado.
O relator do caso, ministro Gurgel de Faria, alinhou-se favoravelmente aos contribuintes, entendendo que tais serviços, consistentes na atividade de movimentação de mercadorias importadas nas instalações dentro do porto, não integram o valor aduaneiro e, portanto, não devem ser considerados para fins de composição da base de cálculo do Imposto de Importação, conforme disposto no artigo 40º, § 1º, I, da Lei 12.815/2013. Tal entendimento foi seguido pelos ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Regina Helena Costa.
Porém, o entendimento contrário foi trazido pela divergência aberta pelo ministro Francisco Falcão, acompanhado pelos ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Sérgio Kukina e Napoleão Nunes. Essa corrente é fruto da análise dos artigos 77º e 79º do Decreto nº 6.759/09 (Regulamento Aduaneiro) e considera, para fins de composição da base de cálculo do Imposto de Importação, os serviços de capatazia prestados dentro do porto, aeroporto ou local alfandegário.
O valor aduaneiro, que é a base para cálculo do Imposto de Importação, é apurado de acordo com as normas do artigo 7º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (Gatt), comumente conhecido como Acordo de Valoração Aduaneira (AVA).
Esse acordo é requisito obrigatório para todos os países integrantes da Organização Mundial do Comércio (OMC). Tal acordo foi adotado pelo nosso sistema jurídico, sendo essa adoção realizada com intuito de evitar o demasiado protecionismo dos produtos brasileiros em relação aos importados.
Através desse acordo são estabelecidos os parâmetros a serem observados a fim de determinar os valores dos produtos importados, que serão utilizados como base de cálculo dos tributos incidentes na importação. Sendo assim, toda mercadoria submetida a despacho de importação está sujeita ao controle do correspondente valor aduaneiro, conforme também nos termos do Regulamento Aduaneiro.
Já fica claro que é imprescindível entender o que é o valor aduaneiro para que se possa identificar a base de cálculo do Imposto de Importação.
No passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) já determinou que o valor aduaneiro é exatamente aquele definido na AVA, no rastro da internalização das normas internacionais (Recurso Extraordinário 559.937/RS).
Mas especificamente, o AVA trata das chamadas “despesas com serviços de capatazia”. Assim, há uma delimitação de quais dispêndios devem ser levados em consideração pelo país-membro para determinar o valor da transação, ou seja, o valor aduaneiro. São eles: (i) o custo de transporte de mercadorias importadas até o porto ou local de importação; e (ii) os gastos relativos ao carregamento, descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação.
Isso quer dizer que qualquer despesa com serviços de capatazia incorrida com o descarregamento e o manuseio das mercadorias no porto de destino após a chegada das mercadorias importadas no Brasil não pode ser incluída no valor aduaneiro. É expresso e claro no AVA que apenas as despesas com carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas até o porto alfandegado poderão ser computadas no valor aduaneiro. Tal entendimento já se encontrava consolidado no STF.
Porém, Receita Federal do Brasil (RFB), desde 2003, tem se posicionado de forma contrária ao disposto no AVA, por meio da Instrução Normativa (IN) nº 327/03. Para o Fisco Federal, os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas no território nacional deve ser incluído no valor aduaneiro.
É justamente essa incompatibilidade entre a IN 327/03 e os termos do AVA que levou os contribuintes ao Poder Judiciário. Como visto, a questão foi inicialmente pacificada pelo STJ, concluindo pela ilegalidade da inclusão, e a favor dos contribuintes.
Na mudança recente de entendimento, a 1ª Seção do STJ (responsável pelas causas tributárias) alterou a jurisprudência das duas turmas que a compõem para dizer o contrário daquilo que vinha como definido há mais de três anos. O cenário, até então favorável aos contribuintes, mudou completamente com o provimento dos recursos interpostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Tem-se, então, o desrespeito ao conceito de valor aduaneiro previsto no AVA (que se sobrepõe às leis internas do País) e ratificado pelo STF. A interpretação dada pelos ministros ao Regulamento Aduaneiro, que, como o nome já diz, é mero regulamento, simplesmente não se coaduna com o previsto no próprio AVA.
Por fim, cabe avaliar as consequências da guinada no entendimento. É verdade que a matéria sempre foi controvertida nos tribunais do País, e agora há uma definição vinculante por parte do STJ (regime de causas repetitivas).
De toda forma, é inegável o sacrifício da segurança jurídica. Juridicamente, há um julgamento que vai à direção oposta aos últimos julgados pelo STJ sobre o tema. Em termos práticos, não é exagero dizer que muitos negócios foram estruturados levando em conta um panorama judicial que não mais existe, ou pior, é justamente o oposto.
No mérito, apesar de ainda não publicado acórdão, a inclusão das despesas com capatazia no valor aduaneiro e, consequente, no cálculo do Imposto de Importação, é questionável do ponto de vista da legalidade, o que deve levar os litígios ao STF, que tem última palavra, inclusive para sobrepor ao entendimento fixado pelo STJ. Essa tarefa demandará esforço dos contribuintes que ingressarem em tal contencioso, pois o primeiro desafio é convencer o STF de que a matéria é constitucional, para, depois, ser enfrentado o outro e mais importante desafio, quanto ao mérito da cobrança.
Clique no link abaixo e veja o documento oficial:
Veja na integra o documento publicado pelo Superior Tribunal de Justiça